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A Lei de Lavagem de Dinheiro. Gazeta Mercantil - p. A-11 - 23.05.2007

Menos de dez anos atrás, a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98) foi publicada, depois de pouco debate no Congresso Nacional, mas muito esforço do Executivo de atender o compromisso internacional, assumido pelo País, de elaborar o texto da lei. A estrutura da Lei 9.613/98 respeitou o modelo sugerido pela Convenção de Viena de 1988: de um lado, criminalizar a ação de ocultar, ou dissimular a origem de bens procedentes de crime; de outro, impor normas administrativas a setores da economia sensíveis à prática da conduta proibida.


O legislador optou por limitar o campo de aplicação do crime de lavagem de dinheiro, ao indicar o rol de crimes que poderiam gerar bens que, a posteriori, seriam objeto da ocultação, ou dissimulação da proveniência ilícita. Com cuidado, listou no artigo 1º, da Lei 9.613/98, os denominados crimes antecedentes à perpetração da lavagem de dinheiro, objetivando oferecer segurança jurídica ao aplicador da lei.


Desse modo, restringiram-se os efeitos do tipo legal aos bens originados por: tráfico ilícito de entorpecentes, tráfico de armas, terrorismo respectivo financiamento, crimes contra a Administração Pública (e.g., corrupção), crimes contra o sistema financeiro, crime de extorsão mediante sequestro, crimes praticados por organização criminosa e crime de corrupção de funcionário público estrangeiro.


Em verdade, a boa técnica indicava que um sistema mais fechado viria trazer, como trouxe de fato, eficácia ao crime de lavagem de dinheiro, resguardando- lhe a aplicação a condutas de reconhecida gravidade social. Logo, não seria qualquer bem de origem criminosa que se interessaria por punir a circulação na economia legal.


Agora, esta correta opção de política criminal vai ser posta em xeque com a eventual aprovação do projeto de reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro (Projeto de Lei 209, da Câmara dos Deputados)[1], por meio do qual se almeja estender a tipicidade legal da lavagem de dinheiro a qualquer infração penal apta a originar bens. Dos crimes contra o patrimônio aos crimes tributários, tudo será universo para se reconhecer crime antecedente ao tipo de lavagem de dinheiro.

A par do raciocínio torto do quanto mais crimes anteriores maior a eficácia legal, afirmasse que a generalização dos crimes antecedentes seria anseio dos juízes federais de verem aumentada a competência das Varas Especializadas em Lavagem de Dinheiro.


Outra vez, a gula repressiva acarretará indigestão normativa. Afinal, ao se transformar qualquer infração criminosa em crime antecedente à lavagem de dinheiro, perde-se a qualidade das condutas proibidas circunscreverem-se somente em torno de valores constitucionais de peso para sociedade brasileira.


Ocorrerá banalização do tipo legal que, na atualidade, se volta a atingir apenas os bens daqueles que executaram crimes graves. A referida proposta de alteração do crime de lavagem de dinheiro, ao contrário da expectativa de alguns, tende a retirar a eficácia da lei penal, com importantes consequências para o ordenamento jurídico-penal.


Basta ver que a sugestão de abrangência total dos crimes antecedentes não vem acompanhada da revogação dos crimes de receptação e de favorecimento real. Isto implica no retorno ao debate sobre o chamado concurso aparente de normas penais, tema intrincado que inferniza magistrados, acusadores públicos e advogados.


No âmbito do processo penal, caso acatado o projeto de lei, deve-se pôr fim às aludidas varas especializadas, pois será tamanha a competência de seus juízes que perderá o sentido de reconhecê-las como diferentes das demais varas criminais, em decorrência do absurdo de poderem conhecer e julgar centenas de crimes como possíveis antecedentes à lavagem de dinheiro.

Por fim, o óbvio tem de ser explicitado: ao se embaralhar a conduta do estelionatário com a atividade do traficante de drogas dar-se-á azo à burocultura judicial, com a convicção de que inocentes vão ser punidos em nome da eficiência do que terá deixado de ser um sistema legal para se transformar na panaceia do direito penal pátrio.


Jurisdição lenta, indevido processo legal e injustiça no caso concreto devem ser observados na vigência do texto legal projetado, o qual será de pronto aprovado, graças à pressa e ignorância inerentes aos processos legislativos do Brasil atual.

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[1] Este aludido projeto converteu-se na Lei 12.683/12.


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