Acabo de receber o livro "O soberano da regulação — O TCU e a infraestrutura", trabalho de Pedro Dutra e Thiago Reis, recém-publicado pela Editora Singular. Embora meus estudos se distanciem do tema, logo quis apreciar o bem escrito texto, produzido a contar de cuidadosa pesquisa.
A leitura conduz a três reflexões sobre problemas comuns que diferentes áreas do Direito têm enfrentado nos últimos anos. O primeiro apresenta a desconsideração do legislador à importância da linguagem. Nesse aspecto, o constituinte desprezou as reflexões de Wittgenstein e não entendeu o que representa significar. Afinal, o que teria levado a se denominar um órgão público que analisa contas de tribunal?
A questão não se limita à função descritiva da linguagem, mas aos efeitos perversos que o vocábulo mal empregado traz à mente das pessoas, em especial quando são funcionários públicos. Estes se negam a compreender a diferença entre a legalidade do artigo 5º, II, da Constituição daquela que lhes comanda, de modo estrito, o agir, consagrada no artigo 37 da Lei Maior, como princípio para a Administração Pública. E, de tais errôneas percepções quanto ao conteúdo normativo de tribunal e legalidade, nascem falhas do Tribunal de Contas da União, indicadas com maestria no livro, quanto aos limites da sua atribuição.
Esse exercício excessivo do poder leva à invasão de áreas de outros setores públicos (das agências, v.g.), bem assim faz o Tribunal de Contas da União se sentir legitimado para opinar, legiferar e julgar quanto a políticas públicas, contratos públicos, negócios jurídicos processuais, entre outros.
O segundo aspecto encontra-se na negação de alguns quanto à presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos. Esse fenômeno contemporâneo de rejeição a tal atributo dos atos administrativos verifica-se no modus operandi daqueles que se encontram sempre a postos para salvar o interesse público, o patrimônio público, o bem comum, mediante a antecipação de intervenções, regulações e sanções administrativas.
Dessa forma, com a recorrente preconcepção quanto ao possível desvirtuamento dos negócios públicos, o Tribunal de Contas da União acaba por se imiscuir na relação jurídica entre o poder concedente e o concessionário privado, interpretando o contrato e lhe reconhecendo efeitos, como detalham amiúde os autores da obra.
Por fim, o terceiro ponto que chamo a atenção circunscreve-se aos custos de transação, como bem os denominou Ronald Coase. Essa combinação das incertezas quanto a quem, como e por qual fundamento jurídico pode interferir, em nome do Estado, nos negócios jurídicos influencia, de maneira direta, o desenvolvimento da economia do país. É necessário compreender: agentes públicos, que problematizam a contar de extrapolações não respaldadas em normas jurídicas claras e válidas, espantam a atividade econômica, bem como afastam investimentos públicos e privados, em principal, estrangeiros.
Exatamente nesse ponto, o livro investiga os impactos que a atuação do Tribunal de Contas da União pode trazer ao setor de infraestrutura, essencial para o crescimento da economia brasileira.
Ora, em tempos de pandemia e crise econômica, a análise interessa ao leigo e ao economista. Cada qual pode tirar boas ideias e exemplos para entender algumas causas externas de insucessos de relevantes projetos públicos no país. Para mim, essa visão de Pedro Dutra e Thiago Reis exibe-se literatura obrigatória, pois sucumbi à famosa lição "a lawyer who has not studied economics... Is very apt to become a public enemy" (Justice Brandeis, Illinois Law Review, 1916).
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