As preocupações com segurança e certeza jurídicas, não raro, têm levado o legislador processual a editar normas de direito intertemporal.
Neste sentido, basta ver a Lei de Introdução ao Código de Processo Penal, que, por exemplo, garante a aplicação da lei mais favorável à prisão preventiva e à fiança (art. 2°, do Dec. Lei nº 3.931/41).
Afirma-se que a necessidade de integração do sistema torna, muitas vezes, imperiosa a elaboração de regras transitórias, as quais regulem o período entre a lei velha e a nova.
Buscando dirimir dúvidas, oferece-se disciplina própria às situações a que se reportam leis sucessivas (direito transitório material) ou indica-se a lei, que deve regular a situação, dentre as potencialmente aplicáveis (direito transitório formal) (José de Oliveira Ascenção, O Direito-Introdução e Teoria Geral, 7a. ed., Coimbra, 1993. p. 475).
Adotou-se no artigo 90 da nova lei, que cria os Juizados Especiais Criminais, a segunda postura, ao se determinar sua não incidência sobre os processos cuja instrução já estiver iniciada.
Vale ressaltar que tal dispositivo confronta com a clássica regra do tempus regit actum, que tem como efeito, além da irretroatividade, a imediatidade da aplicação da nova lei processual penal (Rogério Lauria Tucci, Direito Intertemporal e a Nova Codificação Processuais Penal, São Paulo, Bushatsky, 1975, p. 211).
Este fato, entretanto, não pode levar o intérprete à perplexidade, principalmente, quando diante de casos, nos quais a Lei 9.099/95 for mais favorável ao acusado.
A solução para essas questões pode ser atingida, por meio da análise da natureza da norma. Resta ao aplicador do direito reconhecer a essência material ou processual do dispositivo, o que nem sempre é fácil (Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, 5a. ed., São Paulo, Saraiva, 1994, p. 39/40).
Na hipótese da lei, resta patente que os artigos 74, parágrafo único, 76, 85, 88, 89 e 91 são normas de direito material ou, no mínimo, normas processuais materiais, que se submetem, portanto, ao princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5°, inciso XL, da Constituição da República e art. 2° do Código Penal).
Por conseguinte, o aludido artigo 90 não restringe a aplicação destas regras, que passam a incidir sobre todos os processos criminais de contravenção e de crime, cujas penas se adequem aos critérios dos artigos 61 e 89, da referida lei.
Mas não é só. Pois, senão há dúvida quanto ao emprego das disposições mais vantajosas ao increpado nos processos pendentes, mesmo que estejam em fase recursal, também não pode existir incerteza quanto à não incidência de regras, que, de qualquer forma, resultem no agravamento da posição processual do acusado, ou na limitação de seu inviolável direito de defesa (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, lições coligidas por Maria João Antunes, secção de textos da Faculdade de Direito de Coimbra, 1988/9. p.78).
Conclui-se, na trilha do ensinamento de Karl Larenz (Metodologia da Ciência do Direito, 53 ed., Lisboa, Gulbenkain, 1983, p.421), que, mais uma vez, o pêndulo se inclina para o lado da justiça do caso, posto que o legislador não regulou o período de transição entre as leis nova e antiga como se podia esperar dele. Afinal, o artigo 90 pouco resolve, se é que não atrapalha.
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