Em recente sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito que examina normas e procedimentos de interceptação telefônica divulgou-se um dado estarrecedor: houve 409 mil autorizações judiciais de captação e gravação de conversas telefônicas, no ano passado.
É importante ressaltar que tal informação tornou-se conhecida do público, em virtude de esclarecimentos prestados pelas empresas de telefonia à CPI. No âmbito do Judiciário, ao que parece, inexistia qualquer estatística, ou dado oficial, que permitisse a aferição da quantidade de interceptações telefônicas realizadas no país.
O número chama atenção na medida em que a regra constitucional impõe o sigilo das comunicações telefônicas (artigo 5° XII, da Constituição Federal), constituindo a escuta a exceção. Exceção que só poderia ocorrer se presentes os requisitos legais (artigo 2°, da Lei 9.296/96) e mediante decisão judicial motivada, na hipótese única de destinar·se a prova à persecução penal.
Ora, a vulgarização das escutas telefônicas exibe o descaso judicial quanto ao valor jurídico da intimidade (artigo 5°, IV, da CF), bem como o desprezo à legalidade estrita. Os juízes preferiram ceder ao pragmatismo, às pretensas vantagens de quebras de sigilo à investigação criminal, acatando o falso argumento de que determinadas infrações penais somente se provariam por meio do acesso às comunicações telefônicas.
Não parece crível a ocorrência de tantos crimes, apenados com reclusão, que justificassem a medida (artigo 2°, 111, da Lei 9.296/96). Muito menos se mostra razoável imaginar que inexistiriam, em todos esses casos, outros meios aptos à produção da prova (artigo 2°, 11, da Lei 9.296/96). E, com certeza, a maioria dos fatos investigados não apresentava indícios de autoria, ou participação (artigo 2°, I, da Lei 9.296/96 c.c. artigo 29, do Código Penal).
O descrédito quanto à eficácia da Lei 9.296/96 estende-se ao papel do Ministério Público, o qual tinha poder-dever de acompanhar as interceptações telefônicas, para garantir a regularidade dos procedimentos e controlar a atividade da política judiciária (artigo 5°, da Lei 9.296/96 c.c. artigo 129, VII, da CF).
O problema da banalização da violação ao sigilo telefônico torna-se mais grave, quanto se observa o tempo despendido em cada interceptação. Se tomado o exemplo das operações policiais, sob a responsabilidade do Departamento de Policia Federal, pode-se constatar que algumas interceptações telefônicas perduram por mais de ano.
Este aspecto deve ser examinado, com cuidado, pela CPI e questionado pelos profissionais do Direito. Afinal, também se fez letra morta da disposição legal que determina o limite de 15 (quinze) dias para a diligência, renováveis "por igual tempo uma vez comprovado a indispensabilidade do meio de prova" (artigo 5°, da Lei 9.296/96).
Longos períodos de escuta telefônica trazem várias consequências indesejáveis. Por óbvio, a extensão da interceptação acarreta maior invasão da intimidade do investigado e daqueles que com ele se comunicam. Por exemplo, cônjuge, família e amigos do interceptado ficam expostos à bisbilhotice estatal, sem terem qualquer relação com a persecução penal.
A demora implica, também, embaraçar a defesa técnica, a qual tem de ouvir horas de conversas gravadas, ou ler páginas com as transcrições, em tempo exíguo, para tentar entender onde foram pinçados os trechos de conversa, utilizado na imputação.
Por fim, para o Estado, sobram prejuízos advindos das escutas perenes. Existe o custo inerente ao manuseio e armazenamento do vasto material da interceptação. Há o gasto com pessoal, de policiais a peritos, cujo trabalho aumenta na proporção da duração da escuta telefônica.
Mas, a principal causa de prejuízo advém da demora na atuação do Estado, cujos agentes ficam meses assistindo o iter criminis, sem interrompê-lo, para amealhar mais provas, sem perceber que colaboram com a ampliação do dano. Basta pensar nas investigações de crime contra ordem tributária, nas quais se deixaram repetir negócios, considerados fraudulentos, ao invés de autuar o contribuinte, assim que evidenciado o primeiro ilícito.
Tais problemas das escutas telefônicas mostram, outra vez, a "burocultura" na atividade da Justiça Criminal. Os requerimentos de renovação da interceptação são feitos pela policia judiciária, sem a indicação do motivo e do fim almejado.
Promotores públicos e juízes criminais aquiescem com os pedidos, sem conhecer o conteúdo da escuta, nem o andamento da investigação criminal.
Decide-se a renovação sob a pressão da suposta necessidade e urgência da medida, ou porque comovidos com o discurso da gravidade do crime, ou do tamanho da organização criminosa.
Na verdade, deve-se retirar a discricionariedade judicial quanto ao tempo de realização da interceptação telefônica, impondo-se na lei um prazo improrrogável de 30 (trinta) a 60 (sessenta) dias. Se em tal período for impossível demonstrar a ocorrência material do crime e quem se apresenta o autor ou partícipe, melhor buscar outro modo de investigar, mais eficaz, mais condizente com o Estado Democrático de Direito.
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