As dificuldades de acusar e judicar, em momentos históricos complexos como se tem vivido, não permitem abandonar a construção dos direitos individuais, mediante atos e decisões judiciais que espelhem o vínculo intrínseco entre jurisdição, Constituição e legalidade.
O leitor das mensagens de comunicação entre juiz criminal e acusadores públicos na denominada Operação Lava Jato encontra-se em desalento com os ideais de Justiça neste país. Nunca se viu, ou se provou, combinação de requerimentos e atos decisórios entre magistrado e promotor público. Elaboram-se muitos pedidos da acusação, por exemplo, para que, indeferidos alguns, a defesa ainda creia na neutralidade da jurisdição.
Pensam os juristas, sempre com atraso ou medo, que basta o reconhecimento da suspeição dos agentes públicos e anulação dos processos judiciais. Parece pouco. Procedimentos administrativos e investigação criminal podem melhor elucidar esses comportamentos e respectiva responsabilidade jurídica, pois os fatos não se ostentam apenas ilícitos, mas podem vir até a constituir eventual infração penal.
Inexiste problema para admissão das referidas mensagens como prova para o exercício da defesa no processo penal. Ao se adotar a ponderação de valores constitucionais, ou se arguir a singela hipótese da legitima defesa, como excludente da ilicitude probatória, enxerga-se a admissão do material interceptado como essencial ao deslinde de muitas causas penais.
Por óbvio, juiz de Direito ou tribunal devem dar amplo acesso aos réus de processos criminais da Operação Lava Jato quanto às comunicações extra autos, realizadas pelo juiz federal e procuradores da República, para que cada defesa técnica compreenda o quanto foi lesada por atos processuais ilegítimos e possa arguir o que entender necessário. Longe se está de imaginar que o relevante conteúdo dessas provas pode se limitar ao imputado que as obteve. Todos os réus detêm o direito de informação e de se insurgir contra as ilegalidades (art. 5º, LIV e LV, da CR).
Esse episódio com toda sordidez que o acompanha exige postura firme do MPF, o qual há de reconhecer abusos, bem como deve agir dentro da missão que a Constituição da República lhe conferiu (art. 129, da CR). Proteger o interesse público na imparcialidade, como pressuposto do processo penal, significa servir ao Estado de Direito, o resto se mostram apenas simples desculpas. A busca de fonte independente de prova surge, ainda, como razão suficiente para iniciar a persecutio criminis diante de acontecimentos dessa gravidade (art. 157, do CPP).
Também, o STF necessita de expandir o conceito da imparcialidade jurisdicional, por meio de decisões mais precisas, em especial, em inquéritos policiais e ações penais originárias. Regras claras de distribuição processual, limites de atuação jurisdicional de ministro e contenção ao ativismo da Corte se exibem aspectos a serem enfrentados com visão mais concernente à proteção dos direitos individuais.
Curioso notar que, no recente julgamento do Plenário quanto à prisão do parlamentar que havia insultado os próprios Ministros, ninguém se atentou para a provável perda do espírito de neutralidade dos que foram, por ele, ofendidos. A basilar ideia de que aquele, cujo interesse jurídico se viu afetado pela conduta proibida, não pode julgar o fato típico e a autoria delitiva acabou esquecida pelo ímpeto de mostrar a unidade do Tribunal ao grande público.
As dificuldades de acusar e judicar, em momentos históricos complexos como se tem vivido, não permitem abandonar a construção dos direitos individuais, mediante atos e decisões judiciais que espelhem o vínculo intrínseco entre jurisdição, Constituição e legalidade.
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