No Brasil até crimes viram moda. Agora chegou a estação do crime contra o sistema financeiro nacional (art. 22, par. único, da Lei 7.492/86).
Centenas de pessoas têm recebido intimações da Secretaria da Receita Federal e do Departamento de Polícia Federal, destinadas a exigir esclarecimentos sobre eventuais movimentações de valores no exterior. Na maioria, tais perquirições baseiam-se em dados obtidos pelo governo brasileiro nos Estados Unidos da América, ou em delações realizadas por doleiros em troca de redução de pena, ou de perdão, na Justiça Penal.
Tanto para procedimentos tributários como para investigação criminal, ambas as espécies de informe acabam sendo tratadas como verdade. No campo fiscal, chega-se a autuar o contribuinte e a lhe quebrar o sigilo bancário, desprezando-se que tais informes unilaterais mereciam melhor apuração antes de resultarem em consequências tão drásticas.
As listas de depósitos de brasileiros, disponibilizadas pelos norte-americanos, advêm de investigações realizadas naquele país, mas não se sabe como foram obtidas, nem sob quais condições foram entregues aos representantes do Brasil. Os nomes de clientes e movimentações financeiras indicados pelos doleiros arrependidos, também se desconhece a legitimidade dos procedimentos de onde provêm.
Todavia, o Estado finge crer nas palavras e números desses delatores, como se fossem provas cabais da ocorrência de crime. E, para impedir a discussão quanto à origem dos informes, está em voga etiquetar os procedimentos de sigilosos.
Assim, ao mesmo tempo em que se questiona o cidadão sobre determinado acontecimento, esconde-se dele quem, como, quando, onde e por que razão teve seu nome envolvido na investigação.
Em matéria de crimes financeiros, a restrição ao acesso a autos de processo crime tem se apresentado a arbitrariedade corriqueira, sob o absurdo argumento de que o segredo traria eficácia à instrução criminal. Juízes de direito violam o princípio da publicidade, fundamental ao direito processual, negando vista a interrogatórios, testemunhos, acordos de delação, enfim, aos documentos nos quais se afirma constar a indicação de conta corrente fora do território nacional.
Com a artimanha do sigilo, permite-se a imputação da prática de ilícitos, omitindo aspectos fáticos, essenciais para o exercício das defesas. No melhor estilo kafkaniano, dá-se andamento a procedimentos que não se coadunam com a moralidade da administração pública, diante do objetivo único de reconhecer a, culpa dos investigados, sem a preocupação com a descoberta da verdade.
Tratam-se fatos como criminosos, muito embora tais informes poderiam ser considerados, quando muito, indícios. Indícios que necessitam de outros, indícios concretos para constituir feixe probatório apto a configurar fato ilícito. Sozinhos, esses pretensos dados fáticos, jamais, permitiriam a imposição de qualquer sanção. É evidente que não se discute o poder-dever estatal de questionar, o contribuinte e de investigar a possível ocorrência de infração penal.
Não se pode concordar, no entanto, com o indevido processo legal dos procedimentos investigatórios que invertem o ônus de prova e limitam a plena ciência da carga acusatória, em prejuízo da defesa.
Querem nos convencer que o combate efetivo à lavagem de dinheiro justificaria a desconsideração ao due process of law. Cada um deveria compreender que cede parcela do respectivo direito de defesa diante da preocupação mundial com o crime organizado.
Mais uma vez, ouve-se a desculpa que o bem maior sobrepor-se-ia ao direito individual, lengalenga nazi-fascista que ressoa quando o poder estatal quer agir fora dos limites da lei. Em realidade, nenhum crime autoriza o Estado a violar as regras do processo, cujo acatamento garante a imparcial aproximação da verdade.
Além disso, o simples superestimar a gravidade de determinada infração penal, como agora se faz com a manutenção ilegal de depósitos no exterior (art. 22, par. único, da Lei 7.492/86), não assegura a chegada a um resultado concreto na própria persecução penal, com prova da ocorrência do fato e da autoria.
A estratégia adotada pelo Brasil vai causar muita injustiça, assim como gasto inútil do poder público com procedimentos eivados de nulidades. Os anseios de arrecadação fiscal e de punição mostrar-se-ão passageiros como a moda, porém, marcantes pelo preço pago e pelo mau gosto dos neo-autoritários de rasgar os princípios do Estado de Direito.
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