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Os penalistas no Baile da Ilha Fiscal

Ninguém se esquece do baile do fim da Monarquia, não tanto pela qualidade e ostentação da festa, mas pela alienação de parte da aristocracia, incapaz de perceber o fim do Segundo Reinado às vésperas deste acontecer. No romance Baile da Despedida, Josué Montello descreveu em detalhes aquela noite, símbolo de alegria inconsciente de uma minoria detentora de prestígio social e poder em franca decadência.


Parece-me bem razoável comparar aquele fato histórico com os próximos congressos de Direito Penal, programados para o segundo semestre. Outra vez, organizam-se grandes encontros com a chegada de pessoas importantes de diversos países para tratar de prisão e liberdade. Tudo como se este ano fosse igual aos anteriores. Trata-se de irritante apatia daqueles que, nos corredores das Faculdades de Direito, não cativam mais o aluno, deixando-o à mercê da leitura dos manuais de cursinho para concurso publico.

A aura de normalidade busca disfarçar o medo da falta de público nos eventos, público hoje empolgado por argumentos autoritários, propalados pela imprensa, no sentido de punir e de prender a qualquer custo. Os estudantes são esponjas de informação errada, disseminada por juízes-estrela e por acusadores públicos de ética duvidosa.

Impressionam-se com dados econômicos de corrupção, mas não se sensibilizam diante do excesso de prazo da prisão cautelar. Concordam com desvios e encurtamentos do caminho da legalidade, sob o pretenso fundamento de que estariam em face de uma situação excepcional. Estigmatizam pessoas - ricas, é bom dizer - e expressam preconceitos com naturalidade, num déjà vu marxista.


Os penalistas, ao invés de se unirem para contrapor os discursos de ódio, fingem nada ocorrer. Querem jantar com professores estrangeiros, barganhar reciprocidade em congressos internacionais, tramar concursos para preenchimento de vagas na universidade e, como sempre, falar mal nas costas dos colegas de cátedra.


Não se encontra predisposição alguma de se mostrarem antipáticos à sociedade, ao carregarem a bandeira do garantismo penal. Não escrevem um artigo duro a criticar esses textos de encomenda, publicados nos jornais, os quais são voltados a justificar a violação diuturna dos direitos individuais.


Não comentam nem mesmo em sala de aula a quantidade de bobagens ditas por tribunais em matéria de prisão preventiva nestes últimos doze meses. Esses acórdãos adjetivados sem qualquer conteúdo jurídico, em franco desrespeito à letra da lei e da Constituição.


Em simples palavras, os penalistas se tornaram mais eruditos, porém menos corajosos. Refinaram as teorias, buscaram lições no estrangeiro, mas não querem se manifestar sobre diminuição de penas privativas de liberdade, sobre redução de crimes na lei penal, sobre a desnecessidade de prisão cautelar em infrações penais sem violência ou grave ameaça.

Esses temas não contam com a boa vontade do povo e da mídia, muito menos com a compreensão dos alunos de graduação. Os próprios professores de outras áreas do Direito inflamam-se com argumentos em prol do futuro do país e da moralidade pública, que concebem de modo particular, aquiescendo com os arbítrios do oportunismo de setores do Judiciário.

Nos últimos meses, extinguiu-se o direito penal da culpa, rasgou-se a legalidade, sofreram pessoas com a violência estatal. Isso nada interessa. O importante será encontrar os amigos, ouvir os conferencistas de fora e aprender novos vocábulos a permitir discursos herméticos de pouco uso em prol da liberdade.


Um brinde a meus companheiros de estudo do Direito Penal. Vamos à farra da inconsciência daqui a alguns dias.

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