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Pena privativa de liberdade: para quem?*

Por que não podemos debater uma solução diferente para o problema da violência, a qual passe por uma Justiça Penal mais seletiva e focada?




Tenho muita compaixão quando penso no estudante de Direito Penal, ouvinte de aulas em que se repetem qual o pretenso sentido da prevenção geral e da prevenção especial na pena.

Fora aqueles que se contentam com o retributivismo, do velho brocardo punitur, quia peccatum est, ninguém mais se convence quanto às razões de se punir, de modo específico, por meio da pena privativa da liberdade.


Parece inacreditável que ainda tentemos dizer que, na prisão, se satisfaz algum interesse do condenado. Expia-se a culpa e se retira o indivíduo do ir e vir em sociedade. Quer-se eliminar o condenado, do lugar e do tempo, sob a desculpa de sancionar.


É curioso observar que essa questão de tantos séculos não encanta muito os acadêmicos. Há paixão pela teoria do delito. Dezenas de teses sobre tipo, tipicidade e bem jurídico. Pouquíssimos dissertam, ou oferecem teses sobre a sanção penal, nas universidades brasileiras.  


O mesmo comentário se mostra válido, no âmbito do direito processual penal, pois, raros os estudos sobre o processo de execução penal e respectivos incidentes. Em verdade, confessemos, o preso não importa muito nem mesmo aos intelectuais do Direito.


Peço calma ao leitor, ao professor universitário, afinal essas afirmações servem a mim como autocrítica. Nesses anos todos, dediquei-me quase nada a escrever sobre a pena. A leitura dos diversos autores quanto ao tema, estrangeiros, inclusive, sempre me pareceu enfadonha. Afinal, os textos denotam descompasso imenso entre teoria e realidade, com vieses ideológicos que tornam as reflexões cansativas.

Se me permitem, a ambição não surge mudar a sociedade, mas, no mínimo, reconhecer no preso um sujeito de direitos para o direito penal e ter, no sistema legal, limites mais rígidos para a privação da liberdade.


O momento atual – um hiato desvairado de práticas pré-iluministas, no plano do Judiciário – sugere a prudência de se reduzir a discricionariedade judicial na aplicação da pena. Juízes de primeiro grau impõem penas privativas de liberdade exageradas para serem reverenciados pela mídia e pelas redes sociais, o que a lei não lhes autoriza. Veja-se o espetáculo dos casos de corrupção com penas longas para sexagenários, septuagenários, com sabor amargo de se mostrarem de cunho perpétuo.  


A parte geral, do Código Penal, deve ser similar a um modelo matemático em que o fator preponderante para severidade da pena seja um só: a perpetração de conduta típica, mediante violência ou grave ameaça. Ora, se devemos aceitar a resposta “não há melhor solução do que a pena de prisão”, também cabe a nós a honesta postura de dizer ao preso “retirá-lo do convívio é o melhor que o Estado pode fazer para as demais pessoas”. Sem eufemismos, sem discursos hipócritas de que, no sistema prisional, ele encontrará recuperação. A prisão é o que lhe restou, diante do que fez. E, a pacificação social se dá com o encarceramento por período determinado, o qual visa evitar, também, a autotutela e a proliferação da violência.


Reconhecida a necessidade de muitos de tirar aquele indivíduo da convivência, este condenado precisa de duas certezas, após o trânsito em julgado: (i) o direito de progredir de regime e reduzir a pena, a contar da combinação de mérito pessoal e tempo; e (ii) o direito de ser tratado na prisão com a dignidade de pessoa humana, o que inclui a proteção de seu laços afetivos com a família, a possibilidade de alguma comunicação com sua comunidade e a proposta de ser auxiliado a encontrar formas de autodesenvolvimento (estudo, trabalho, religião, dentre outros).


A redução de expectativas, por meio dessa mensagem simples quanto à razão do cárcere, jamais poderia significar desconsiderar o preso, tratá-lo como o “outro”, “coisa” ou “inferior”. A prisão se apresenta a consequência proporcional que a lei penal oferece ao ato violento, no regime democrático, em nome de valores circundantes aos bens jurídicos vida, integridade física e psicológica.

Limitar as sanções penais privativas da liberdade, em regime fechado, às hipóteses de violência e grave ameaça, a contar de sistema de regras jurídicas estritas e rígidas que protejam o indivíduo de magistrados que se sentem agentes de segurança pública poderia ser um mote singelo para reforma penal. Qualquer do povo compreenderia o que pode leva-lo à espécie de reclusão.

As consequências para o poder público seriam reduzir o encarceramento, dedicar mais tempo à compreensão de qual o perfil do preso atual e, assim, formular políticas criminais mais certeiras para a redução dos crimes.


Ninguém nega que existam outras infrações penais, com relevância jurídico-constitucional, que merecem sanção criminal rígida. Todavia, há outras formas de impor reprimendas à locomoção (v.g., prisão domiciliar), assim como novas tecnologias aptas a contribuir para o controle da liberdade dos condenados.   


Enfim, por que não podemos debater uma solução diferente para o problema da violência, a qual passe por uma Justiça Penal mais seletiva e focada? Aguardo as respostas e as censuras.

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*artigo dedicado a Juliano Breda, advogado, professor e conselheiro federal da OAB, cuja amizade tanto me honra.

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