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Sem reforma na lei, não cabe execução provisória de decisão penal

Há temas que ressurgem, vez ou outra, na dialética entre prisão e liberdade. Agora se repetem argumentos do passado para justificar a necessidade de conferir pretensa maior eficácia à jurisdição penal, sem o imaginado alongar indevido dos recursos nas cortes superiores.


Como o debate não ocorre no Congresso Nacional, mas no Poder Judiciário, parece um tanto óbvio que inexiste liberdade interpretativa para os magistrados, pois, ao examinarem tipos penais e regras processuais penais de conteúdo material, encontram-se vinculados à Constituição da República e ao todo do ordenamento jurídico.


Em outras palavras, os julgadores não podem criar razões estranhas ao sistema normativo, para adotar esta ou aquela posição tocante ao estado de inocência (artigo 5º, LVII, da CR). Crer o contrário seria sofrer de déjà vu pré-iluminista, incompatível com a legalidade (artigo 37, da CR), bem como seria negação à hierarquia de valores normativos no âmbito da própria Lei Maior.

A onda punitiva, arrimada na afirmada premência de se apurarem crimes de corrupção, não pode obscurecer ideias claras para o direito penal, nem o vínculo ideológico de juízes permite decidirem em contrariedade à lei.


Ao se tratar da inocência (artigo 5º, LVII, da CR) na órbita dos direitos constitucionais, devem-se analisar o conteúdo e a extensão deste princípio com vistas à dignidade da pessoa humana, à legalidade, à inafastabilidade do controle jurisdicional, ao devido processo legal, ao direito à ampla defesa (artigo 1º, III; e artigo 5º, II, XXXV, XXXIX, LIV e LV, da CR). Impossível querer lhe compreender o sentido como expressão isolada de um direito, sem lhe enxergar no conjunto de direitos que o constituinte conferiu ao indivíduo no processo penal.


Ademais, o comando da previsão constitucional, na sua literalidade, interessa ao entendimento do espectro de proteção conferida pela Constituição da Republica ao acusado, ainda que condenado na jurisdição penal. Quer dizer, não poder ser considerado culpado antes do transito em julgado da sentença penal (artigo 5, LVII, da CR).


Pois bem, o processo interpretativo também não abandona a noção de sistema do ordenamento jurídico, porque, ao se almejar limitar os efeitos da proteção constitucional da inocência, mesmo assim se tem de obedecer à lei. Aos ministros do Supremo Tribunal Federal não se permite motivar decisões, contrariando a lei estrita e constitucional, sob a desculpa de darem nova perspectiva axiológica a dispositivo da Constituição. Em particular, se a interpretação for contrária aos direitos do réu no processo penal.

Na linha do raciocínio aqui exposto, não se mostra possível limitar a aplicação da previsão constitucional atinente a não-consideração prévia da culpabilidade, mediante o desprezo a normas jurídicas válidas do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.


A lei estrita exige o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para o início do processo de execução na jurisdição penal, consoante estabelecem o artigo 674, do Código de Processo Penal, e o artigo 105 e seguintes, da Lei de Execução Penal. Desse modo, com todo acatamento aos mais doutos, execução provisória de decisão penal de índole condenatória depende de reforma legislativa, dada a vedação expressa de lei ordinária.


Frases ao vento na linha da suposta estabilidade das decisões de primeiro e segundo grau quanto aos fatos julgados não merecem acolhimento, por dois motivos, ao menos: (i) a legalidade da prova dos fatos pode ser apreciada pelos tribunais superiores, o que tende a influir no resultado da decisão penal, ainda que de mérito; e (ii) o fato isolado não constitui crime, pois depende do juízo da tipicidade penal, este sempre devolvido ao crivo dos ministros das altas cortes. No Supremo Tribunal Federal, julga-se tipicidade do fato, em recurso e em habeas corpus, pois, como cediço, a tipicidade material depende da consonância entre o significado do tipo e o valor constitucional protegido.


Em suma, o saudosismo de ordenamentos penais arbitrários pode ser contemplado por projetos de lei e por discussão no processo legislativo, aspecto inerente a quem vive no Estado de Direito. Aqueles que desejam defender tais reformas da lei devem ir, pois, ao Congresso e resolver as graves questões de competência (artigo 5º, XXXVII, da CR), de atribuição para impulsionar o processo de execução penal provisória (artigo 129, I, da CR) e de constitucionalidade e motivação (artigo 93, IX, da CR), decorrentes da antecipação da punição, após provimento jurisdicional de segundo grau de jurisdição.


Qual a dúvida, doutos ministros?
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