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Vale tanto assim o risco das operações policiais ao Estado?

Os argumentos em defesa da liberdade individual e da preservação da legalidade (artigo 5º, inciso II, da CF) têm sido postos de lado por parte da magistratura, encantada com discursos repressivos e com o salvacionismo que crê dominar o país.


Se, no campo dogmático do processo penal, a fragilidade intelectual de alguns autoriza a prática de arbitrariedades em nome de um pretenso bem maior, talvez visão pragmática tocante aos riscos econômicos ao Estado (artigo 5º, inciso V, da CF) possa levá-los a reflexão mais madura sobre a rotina das buscas e das apreensões, bem assim sobre os exageros das prisões e ordens cautelares.


A pergunta, que se impõe, mostra-se singela: há potencial prejuízo ao Estado ao se transformar a primeira fase da persecução penal em atos exagerados, senão exibicionistas (artigo 5º, inciso III, da CF, in finis), os quais envolvem a indevida limitação de ir e vir de indivíduos (artigo 5º, inciso X, da CF), a invasão ilegítima de casas (artigo 5º, inciso XI, da CF) e a determinação errada de constrições patrimoniais (artigo 5º, incisos II e LIV, c.c. artigo 170, II, da CF)?

Ora, exame mesmo superficial dos resultados das operações policiais indica que muitas pessoas — submetidas à ordem judicial cautelar — não acabam denunciadas e número expressivo não chega a sofrer condenação criminal, em especial, com trânsito em julgado (artigo 5º, inciso LII, da CF). Isso não quer dizer, de modo automático, que surja responsabilidade civil da Fazenda Pública em razão do que ocorreu na fase da investigação criminal. Todavia, pelo volume atual de escândalos no curso da persecução penal, autorizados pela Justiça Federal, pode-se conjecturar que muitos erros vêm sido cometidos nas prestações jurisdicionais, ou na execução das ordens judiciais.


No âmbito do Poder Judiciário, não se pode afastar a ideia de o Estado apresentar-se responsável por danos causados ao jurisdicionado em virtude de atos judiciais típicos (decisões, sentenças e acórdãos). A prestação jurisdicional que gera dano materialmoral e à imagem surge passível de reparação civil, com possibilidade de ação de regresso em face do magistrado (artigo 133, do CPC).


A Constituição de 1988 enterrou antigas noções de irresponsabilidade estatal por atos jurisdicionais, ao reconhecer os magistrados como agentes públicos com função de realizar serviços jurisdicionais (artigo 37, caput e parágrafo 6º, da CF). Também, o fez, ao assentar o dever de indenizar o erro judiciário, bem assim o preso além do tempo fixado na sentença (artigo 5º, inciso LXXV, da CF).

Desse modo, atos jurisdicionais típicos (repita-se: decisões interlocutórias, sentenças, acórdãos) sem subsídio factual ou alicerce em texto legal, os quais limitem a liberdade jurídica do indivíduo, podem ser objeto de reparação de dano civil, como também os atos judiciais, baseados em dolofraude ou má-fé.


Vê-se, portanto, surgir a responsabilidade civil estatal com a decretação de prisão processual com vistas à obtenção de prestígio social, de reconhecimento da imprensa ou das redes sociais, devido à perda do espírito de neutralidade que norteia a imparcialidade judicial. Esses comportamentos constituem mais do que desvios éticos do juiz, pois violam a lei e são incompatíveis com o magistrado ideal: observador de fatos e aplicador da lei estrita, com a temperança do justo consoante valores constitucionais prevalecentes no ordenamento jurídico (por exemplo, a liberdade, a inocência, a propriedade).


A demora na concessão da liberdade do preso cautelar caracteriza, também, hipótese de obrigação estatal de indenizar pela omissão (artigo 5º, LXXVIII, da CF c.c. artigo 133, II, do CPC), ou pela negligência do Judiciário (artigo 5º, LXXV, da CF c.c. artigo 133, II, do CPC). Esclarecida a falta de requisito para a prisão cautelar (artigo 312, do CPP), ou a inverdade do quanto afirmado pelo acusador público no pedido de prisão processual antecipada, não pode a jurisdição penal retardar a soltura do inocente, ainda que investigado, processado ou condenado com recurso em trâmite (artigo 5º, incisos LIV, LVII, LXI e LXVI, da CF).


Tal dever jurídico diz respeito, ainda, aos tribunais, cujo fim é rever as decisões de primeiro grau e, por conseguinte, conceder com celeridade Habeas Corpus (artigo 5º, inciso LXVIII, da CF), quando se derem ilegalidades, ou abusos de poder na decretação de prisão, ou de medidas cautelares atinentes à liberdade. Mandados de segurança hão de ser concedidos, diante de atos abusivos que violem direito líquido e certo, por exemplo, de quem padeça constrição patrimonial injusta, sob o fictício fundamento cautelar de dissipação de patrimônio (artigo 5º, inciso LXIX, da CF).


O descumprimento ao dever de aplicar medida cautelar alternativa à prisão processual, nas infrações penais perpetradas sem violência, ou grave ameaça(artigo 282, II, do CPP), caracteriza outra possibilidade de contingência à Fazenda Pública. A premissa de a liberdade exibir-se a regra, caracterizando-se as prisões e as medidas cautelares exceções, com gradação conforme a natureza do crime em apuração, implica juiz penal consciente da função de assegurar proteção jurídica ao indivíduo (artigo 5º, caput, II e III, da CF).

Ao contrário do discurso recorrente, não está a magistratura a serviço de políticas públicas, ideologias, anseios populares, nem interessa ao público a servidão de juízes à mass media. Condutas ilícitas de julgadores, evidenciadas, por exemplo, por motivações judiciais ocas, ou de conteúdo panfletário, importam no dever do Estado de indenizar.


Em suma, o momento atual vai trazer muitos prejuízos aos cofres públicos, porque essa cultura do espetáculo na persecução penal tem preço. Se há agentes públicos com coragem de desobedecer a lei, muitos inocentes, marcados pelas operações policiais, hão de encontrar estímulo em processar o Estado por tais comportamentos ilícitos da magistratura, e certeza de encontrar magistrados que lhe reconheçam esse direito. A Constituição de 1988 assim permite e, tal como a Magna Carta (1215), nossa lei maior “é súdito que nunca terá soberano” (Edward Coke, 1628).

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